domingo, 19 de fevereiro de 2012

ESPELHO


ESPELHO

Há uma noite,
um tempo oco, sem testemunhas,
uma noite de unhas e silêncio,
páramo sem margens,
ilha de gelo entre os dias;
uma noite sem ninguém
senão a sua solidão multiplicada.

Regressa-se de uns lábios
nocturnos, fluviais,
lentas margens de coral e seiva,
de um desejo, erguido
como a flor sob a chuva, insone
colar de fogo no pescoço da noite,
ou se regressa de si mesmo a si mesmo,
e entre espelhos impávidos um rosto
me repete ao meu rosto, um rosto
que mascara o meu rosto.

Diante dos jogos fátuos do espelho
meu ser é pira e é cinza,
respira e é cinza,
e ardo e me queimo e resplandeço e minto
um eu que empunha, morto,
uma adaga de fumo que lhe finge
a evidência de sangue da ferida,
e um eu, meu eu penúltimo,
que só pede esquecimento, sombra, nada,
final mentira que o acende e queima.

De uma máscara a outra
há sempre um eu penúltimo que pede.
E me afundo em mim mesmo e não me toco.
Octavio Paz- México
Tradução ao português: Tania Alegria
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ESPEJO

Hay una noche,
un tiempo hueco, sin testigos,
una noche de uñas y silencio,
páramo sin orillas,
isla de yelo entre los días;
una noche sin nadie
sino su soledad multiplicada.

Se regresa de unos labios
nocturnos, fluviales,
lentas orillas de coral y savia,
de un deseo, erguido
como la flor bajo la lluvia, insomne
collar de fuego al cuello de la noche,
o se regresa de uno mismo a uno mismo,
y entre espejos impávidos un rostro
me repite a mi rostro, un rostro
que enmascara a mi rostro.

Frente a los juegos fatuos del espejo
mi ser es pira y es ceniza,
respira y es ceniza,
y ardo y me quemo y resplandezco y miento
un yo que empuña, muerto,
una daga de humo que le finge
la evidencia de sangre de la herida,
y un yo, mi yo penúltimo,
que sólo pide olvido, sombra, nada,
final mentira que lo enciende y quema.

De una máscara a otra
hay siempre un yo penúltimo que pide.

Y me hundo en mí mismo y no me toco.
Octavio Paz- México

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